quarta-feira, 9 de novembro de 2011


Novos modelos de financiamento audiovisual

 | sábado, 22 outubro 2011Um Comentário
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Todo e qualquer modelo de financiamento acaba privilegiando algum modelo estético. Hoje o cinema brasileiro está preso a três modelos: editais, Artigo Terceiro (que coloca o poder na mão das distribuidoras) e captação via lei de incentivo. Todos foram úteis em determinado momento e ainda são importantes. Mas estamos chegando a um novo momento, aonde teremos que produzir muito mais conteúdo audiovisual (inclusive para televisão e internet) e temos que ter a coragem de pensar também em novos modelos. Urgentemente!
A crítica ao modelo de captação em empresas já é bem conhecida.
A principal saída que criamos para esse modelo foi a Política de Editais Públicos. Ela foi fundamental por anos, mas com o crescimento do audiovisual começa também a mostrar suas limitações.  Vale lembrar que dois dos filmes brasileiros de maior sucesso dos últimos anos (“Cidade de Deus” e “Tropa de Elite 2”)  não foram viabilizados por nenhum desses modelos.  Será coincidência? Pode ser. Mas vale pensar algumas limitações do atual modelo:
1)  Os editais se multiplicaram e cada um tem critérios específicos. A criatividade em elaboração de editais aumentou muito e isso tem dificultado a criatividade artística.  Se bobear o cineasta fica condenado a passar seus dias elaborando projetos diferentes para editais criativos. É possível fazer editais muito menos rígidos e mais abertos a diversidade dos filmes.
2) A burocracia aumentou demais. Nunca antes tanto papel e encadernação rolou numa única área. A indústria que mais tem se beneficiado com a política de cultura brasileira é a indústria de xerox . E os Correios. É possível ter editais locais, mas seria possível também ter mais conversa para pensar uma Política Nacional para que os editais se somem e não concorram entre si.
3) Poucos editais dão um valor substancial para o orçamento do filme. Cada um dá uma pequena parte. Em consequência disso, um único filme tem de ganhar uns 10 editais diferentes. Isso tem aumentado o tempo de produção dos filmes e dificultado sua viabilidade.
4)  Estética do consenso: o pior disso tudo é que acabou virando uma estética de consenso. Um filme para ser produzido precisa ser aprovado por vários editais diferentes. Cada edital tem umas 5 pessoas no júri. Se alguém no júri fizer questão de que  filme não seja aprovado pois o considera antiético, todos acabam concordando. Deve ser por isso que nosso cinema virou tão politicamente correto. Essa ideia do consenso é péssima para a arte. Tem provocado filmes que não querem incomodar ninguém. Nada pior para o cinema, mesmo mercadologicamente falando.
5) A grande quantidade de editais dificulta a composição de juris realmente qualificados. O ideal é que os júris sejam compostos de pessoas tão ou mais experientes que os proponentes. Poucos ou nenhum júri tem essa composição. Isso se agrava por um motivo simples: ninguém no júri, nem no Estado investidor,  tem real compromisso com os filmes produzidos. É claro que são todas pessoas legais e preocupadas com o cinema brasileiro em geral, mas o resultado da avaliação do júri não é avaliada. É muito melhor ser avaliado por pessoas compromissadas com o resultado. No final do texto aprofundo essa questão.
6)  Outra ideia recorrente é que os júris devem ser formados apenas pela própria classe audiovisual. É claro que é importante ter pessoas de cinema. Mas temos que tomar cuidado para não virar um modelo autista, com pessoas se auto-avaliando mutuamente. O circuito se fecha com os festivais, que são inúmeros, também financiados pelo dinheiro público e com as mesmas pessoas avaliando. Por isso, o cinema brasileiro tem inúmeros filmes que são considerados sucesso na própria classe, mas não tem nenhum impacto real no público que não faz cinema (99,9% da população). Qualquer sistema autista acaba se degradando com o tempo. Além disso, as entidades podem começar a ser aparelhadas e se tornar apenas grupos que indicam pessoas para ser jurados e favorecer os próprios associados. A política pública deixa de ser pública e se torna política para os cineastas. É como se o Ministério da Saúde fizesse política para os médicos. Isso é ruim para os filmes e o resultado bate na tela.
7)  Tudo isso tem feito com que os editais sejam muito “democráticos”e menos meritocráticos. É uma democracia corporativa, de pares se auto avaliando. Já vi gente argumentar em júri que tal cineasta deve filmar pois faz tempo que não filma.  Parecia mais política assistencialista que política industrial.
Temos que entender que estamos num momento de mudança completa. Saímos da época da escassez e estamos entrando na fartura. Temos que nos adequar a isso.
A política atual foi montada numa época aonde o cinema estava parado e o cineasta era um pobre desesperado. Isso acabou. Não precisamos mais de um Estado que nos dê esmolas. Queremos um estado investidor que entenda a importância estratégica do audiovisual e invista para que surja uma indústria.
O Estado que queremos deve pensar como investidor. E investidor quer retorno de algum tipo. Seja retorno financeiro, seja retorno social: algum tipo de retorno.
A democracia não pode se opor a meritocracia.  Qualquer estado democrático tem que se preocupar com os resultados da política pública, esse é o objetivo final: o público. Por isso os melhores devem sempre vencer. Pois isso é interesse do público (que inclui, os cineastas. Mas é principalmente, os espectadores).
Mas falar de mérito no Brasil é complicado. Muitos dizem que é subjetivo. É claro que é difícil medir resultados em arte. Mas precisamos ter a coragem de criar nós mesmos os critérios para isso. Nenhuma outra política pública de nenhum outro setor do país vive sem avaliação de resultados. Vai ser difícil conseguir mais recursos para nossa indústria se continuarmos negando a ideia básica de que os resultados devem ser avaliados.
Podemos discutir democraticamente quais serão os critérios, mas temos que criar algum critério. Exemplifico com dois critérios muito simples: resultado em público (que pode ser ou não bilheteria) e premiações em festivais (principalmente internacionais).
Quando falamos de medir resultado de público sempre vem a mente a ideia de Adicional de Renda, que foi fundamental para o grande sucesso do cinema brasileiro na época da Embrafilme. O Adicional atual é muito pequeno e pode ser ampliado.  Mas é importante discutirmos melhor os critérios de sucesso comercial. Não tem sentido o adicional ser apenas pela medição público absoluto, como orienta as fichas que preenchemos em vários editais e perguntam apenas quantos espectadores o filme teve. Em termos comerciais,  isso é um erro de avaliação. Há filmes que fizeram 1 milhão de espectadores e foram um imenso fracasso, pois o investidores previam, no mínimo 3 milhões. Por outro lado, há filmes que fizeram 100 mil espectadores e foram um imenso sucesso, pois o previsto era 5 mil espectadores.  Ou seja, o público absoluto é um péssimo critério. O ideal é que o critério seja relativo e focado na rentabilidade. Nesse caso, estamos falando apenas de critério comercial.  Não é o único critério de avaliação de sucesso, mas vamos fazer o exercício de focar no comércio. Mas vamos, então, ser realmente comerciais.  Qualquer comércio sabe que o que interessa não é a quantidade de vendas, e sim a rentabilidade. Se medir rentabilidade iremos ver que muitos filmes considerados “sucesso” de público tiveram baixa rentabilidade e foram, na verdade, imensos fracassos. O público pode até mesmo ser previsto no projeto e depois recuperar isso na hora da avaliação. Basta colocar outra tabela: público previsto pelos investidores. E público alcançado.
É claro que é difícil prever, mas alguma estimativa o projeto tem que ter. Vamos começar a cobrar os resultados dos planos de negócios. O que não dá é o filme ser produzido captando milhões e dizendo ser indústria para depois ser fracasso e se redefinir como filme de “arte”. O que não dá é cinema que não tem público culpar o público. Todo filme visa um público, pode ser um público bem pequeno, só de fãs de músicas que comprem DVD, por exemplo. Mas visa um público e dá sim para medir se ele agradou a esse público.
Se alguém não gostou desse critério, entendo. É só uma ideia inicial que pode ser debatida. Mas temos que ter algum critério ou nunca iremos crescer.
Se existisse real avaliação de mérito seria dissolvido a falsa oposição entre experientes e iniciantes. Hoje a política está confusa. Os veteranos estão abandonados pelo Estado e submetidos à mesma avaliação que um estreante em edital.  O currículo de uma pessoa e os resultados que ela alcançou (seja em bilheteria, seja em repercussão crítica) são evidentemente critérios a serem avaliados. O edital no modelo atual é mais propício para avaliar estreantes ou iniciantes (até terceiro filme, por exemplo). Mas para veteranos podemos ter outros critérios. A vantagem de ser experiente é que o cineasta já foi testado antes. Se o Estado atuasse como investidor seriam naturalmente escolhidos cineastas que dão mais resultados e os demais iriam reorientar sua carreira contribuindo com seu talento em outras funções  importantes dentro da cadeia audiovisual. Pois um cineasta que acertou 10 filmes tem grandes chances de acertar o próximo. Mas um que errou 10 filmes tem poucas chances. Há mais chances de um estreante que nunca fez cinema acertar mais do que alguém que já tentou inúmeras vezes e errou. É cruel? Pode ser, mas temos que começar a discutir isso. Em qualquer indústria isso acontece. Não precisa ser de imediato, mas a longo prazo temos que pensar políticas que pensem no interesse público e não apenas no interesse dos cineastas.
Sei que a solução disso tudo é complicada e mexe com a vida de muitos realizadores. Nada é definitivo e pode ir sendo mudado gradativamente. Temos que aproveitar que estamos num momento de fartura e podemos criar políticas simultâneas, deixando a política assistencialista ainda atuante, mas criando em paralelo políticas realmente industriais. Podemos ter simultaneamente várias iniciativas. É a diversidade de avaliações que irá ajudar a diversidade estética.
Apenas como provocação arrisco uma nova ideia: e se ao invés de um júri de 5 pessoas juntas,  o júri seria de 5 avaliadores que tenham completa liberdade para escolher o projeto que mais goste?
Isso tiraria a lógica do consenso que tem limitado nossos filmes. Poderiam ser pessoas mega experientes e escolhidas a partir de critérios claros: uma para cinemão de mercado, outra para filmes experimentais, outra para filmes médios, outra para filme juvenil, etc… O avaliador seria escolhido por mérito e pode até ter uma chamada pública para seleção de avaliadores.
Além disso, o objetivo disso é comprometer o avaliador com o resultado do filme.  O avaliador poderia ser coprodutor criativo do filme que ele mesmo escolheu. Cineastas já consagrados começariam a atuar como produtores criativos  de mais jovens, dissolvendo o falso conflito entre gerações e criando um circuito virtuoso de criação artística.  Além isso, o avaliador/júri seria também ele, no futuro, avaliado pelo resultado do filme.  Alguém pode pensar que isso tiraria a almejada imparcialidade do júri. Mas essa imparcialidade nunca existiu. Estaríamos trocando uma imparcialidade inalcançada e não mensurada por um júri comprometido, envolvido e que terá critérios claros para ser também ele, o jurado, avaliado no futuro.
Claro que esse modelo não precisa excluir os outros já existentes. Mas pode ser um novo modelo que aumente a diversidade das formas de seleção e de resultados estéticos. É apenas uma idéia inicial, entre outras possíveis. O importante é voltarmos a discutir modelos inovadores de financiamento para nos adequarmos a esse novo momento aonde existe fartura, mas precisamos gerar resultados.

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